Premiado em Cannes, filme mostra lado obscuro da Rússia contemporânea
Crítica | Por Thiago Mendes
thiagomendes@portaltelenoticias.com
(Foto: divulgação)
Passada a euforia da Copa na Rússia, chega a nós uma produção que aborda um lado menos celebrado do país intercontinental. ‘Tesnota’ (algo como proximidade, aperto) é o primeiro longa-metragem escrito e dirigido pelo jovem Kantemir Balagov. A história se passa em sua cidade natal, Nalchik, capital do território da Cabárdia-Balcária, sudoeste russo, no final dos anos 90.
Os detalhes geográficos e temporais podem parecer inoportunos, mas falamos de uma região que viveu, no período, momentos de forte tensão militar, quando o exército russo travou sangrentas batalhas contra o movimento separatista da Chechênia, situada a poucos quilômetros da Cabárdia, levando à morte milhares de civis. Convenhamos, trata-se de um respeitável pano de fundo, que, veremos, não é mencionado à toa.
(Foto: divulgação)
De volta à Balcária, estamos em uma humilde comunidade judaica, na periferia de Nalchik. Ilana (Darya Zhovnar), aos 24 anos, não demonstra interesse por um emprego formal. Quer continuar ajudando o pai em sua oficina mecânica. Leva jeito para a coisa. É a noite do noivado de seu meio-irmão, David (Veniamin Kac). Um jantar especial será servido. Entediada, sorrateiramente Ilana vai ao encontro de Zalim (Nazir Zhukov), seu namorado cabardino. É logo após esse momento que descobrimos, em uma habilidosa elipse, que David e sua noiva acabam de ser sequestrados.
Não chegamos nem a meia hora de filme e alguns conflitos decisivos se estabelecem: primeiro, a típica cumplicidade maior entre pai e filha - ainda que Ilana nem seja fruto biológico de Avi (Atrem Cipin) - tem seu contraponto na instável relação entre ela e sua mãe, Adina (Olga Dragunova). Há um ruído permanente na comunicação entre as duas, como bem ilustra a cena em que o secador de cabelo nos impede de ouvir com clareza o que elas conversam.
Segundo: faz todo sentido que Ilana esconda seu relacionamento com Zalim. Um cabardino jamais seria aceito entre judeus, e vice-versa. Resquícios de conflitos étnicos históricos. Por fim, as terríveis circunstâncias do sequestro levam seus pais a concordarem que ela se case com um membro da comunidade, a fim de conseguirem o dinheiro para o resgate. Nada é de graça neste mundo, e Ilana terá de enfrentar, também, a rigidez machista das tradições familiares e religiosas.
(Foto: divulgação)
Mas o que percebemos de cara em ‘Tesnota’ é sua aparente simplicidade estética. Bem, simples ela é, mas não concebida de qualquer jeito. Pontuando o contexto histórico, a imagem nos remete às antigas fitas VHS, com saturação de cores e pouca textura. Lembra opção semelhante adotada por Pablo Larraín no chileno ‘No’ (2012), quando gravou o filme inteiro, que se passa nos anos 80, com câmeras U-matic, em voga nas emissoras de TV da época - hoje itens de museu.
Assim como em ‘No’, Balagov também adota o formato de tela mais próximo ao quadrado, como nos acostumamos a ver naqueles tipos de fitas, o que torna boa parte dos planos de seu filme mais íntimos dos personagens, deixando-os igualmente mais próximos de nós. Daí que esse calculado e enganoso despojo estético, aliado às boas atuações do elenco, tornam-se a grande força narrativa de ‘Tesnota’, ao ponto de fazer com que um filme extremamente pessoal, regional, e de certa forma autobiográfico, consiga nos envolver racional e emocionalmente, como muitas produções em nosso continente não têm sido capazes.
O resultado é um notável longa de estreia de Kantemir Balagov, vencedor da mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes de 2017, que nos desperta imediatamente a curiosidade por conhecer seus próximos trabalhos.
Veja o trailer:
Tesnota (Тесноtа) - Rússia, 118 min, 2017
Dir.: Kantemir Balagov - Estreou em 09/8.
As opiniões expressas nessa coluna são de inteira responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do Portal Telenotícias.
Crítica | Por Thiago Mendes
thiagomendes@portaltelenoticias.com
(Foto: divulgação)
Os atores Darya Zhovnar (Ilana) e Nazir Zhukov (Zalim), em um dos raros planos gerais de 'Tesnota' |
Passada a euforia da Copa na Rússia, chega a nós uma produção que aborda um lado menos celebrado do país intercontinental. ‘Tesnota’ (algo como proximidade, aperto) é o primeiro longa-metragem escrito e dirigido pelo jovem Kantemir Balagov. A história se passa em sua cidade natal, Nalchik, capital do território da Cabárdia-Balcária, sudoeste russo, no final dos anos 90.
Os detalhes geográficos e temporais podem parecer inoportunos, mas falamos de uma região que viveu, no período, momentos de forte tensão militar, quando o exército russo travou sangrentas batalhas contra o movimento separatista da Chechênia, situada a poucos quilômetros da Cabárdia, levando à morte milhares de civis. Convenhamos, trata-se de um respeitável pano de fundo, que, veremos, não é mencionado à toa.
(Foto: divulgação)
A boa relação de Ilana (esq.) com o pai não é a mesma com sua mãe |
Não chegamos nem a meia hora de filme e alguns conflitos decisivos se estabelecem: primeiro, a típica cumplicidade maior entre pai e filha - ainda que Ilana nem seja fruto biológico de Avi (Atrem Cipin) - tem seu contraponto na instável relação entre ela e sua mãe, Adina (Olga Dragunova). Há um ruído permanente na comunicação entre as duas, como bem ilustra a cena em que o secador de cabelo nos impede de ouvir com clareza o que elas conversam.
Segundo: faz todo sentido que Ilana esconda seu relacionamento com Zalim. Um cabardino jamais seria aceito entre judeus, e vice-versa. Resquícios de conflitos étnicos históricos. Por fim, as terríveis circunstâncias do sequestro levam seus pais a concordarem que ela se case com um membro da comunidade, a fim de conseguirem o dinheiro para o resgate. Nada é de graça neste mundo, e Ilana terá de enfrentar, também, a rigidez machista das tradições familiares e religiosas.
(Foto: divulgação)
A conturbada relação entre Ilana e sua mãe é bem simbolizada na cena em que o secador atrapalha o diálogo entre as duas |
Assim como em ‘No’, Balagov também adota o formato de tela mais próximo ao quadrado, como nos acostumamos a ver naqueles tipos de fitas, o que torna boa parte dos planos de seu filme mais íntimos dos personagens, deixando-os igualmente mais próximos de nós. Daí que esse calculado e enganoso despojo estético, aliado às boas atuações do elenco, tornam-se a grande força narrativa de ‘Tesnota’, ao ponto de fazer com que um filme extremamente pessoal, regional, e de certa forma autobiográfico, consiga nos envolver racional e emocionalmente, como muitas produções em nosso continente não têm sido capazes.
O resultado é um notável longa de estreia de Kantemir Balagov, vencedor da mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes de 2017, que nos desperta imediatamente a curiosidade por conhecer seus próximos trabalhos.
Veja o trailer:
Dir.: Kantemir Balagov - Estreou em 09/8.
As opiniões expressas nessa coluna são de inteira responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do Portal Telenotícias.
Aparente simplicidade estética se torna força narrativa em ‘Tesnota’
Reviewed by Thiago S. Mendes
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8/14/2018 09:38:00 PM
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