Inteligente, ‘A Vida de Uma Mulher’ concede papel importante ao espectador
Drama venceu prêmio da crítica no Festival de Veneza de 2016
Crítica | Por Thiago Mendes
thiagomendes@portaltelenoticias.com
(Foto: divulgação)
Adaptado a partir do romance de Guy de Maupassant (1850-1893), ‘Une Vie’ (“uma vida”, em tradução livre), ‘A Vida de Uma Mulher’ é a terceira versão cinematográfica da obra do escritor francês. Junta-se à finlandesa ‘Naiskohtaloita’ (1947), de Toivo Särkkä (1890-1975), e à ‘Uma Vida’ (1958), de Alexandre Astruc (guarde este nome), importante crítico e cineasta parisiense, morto em 2016.
Em seu primeiro grande papel no cinema, que lhe rendeu indicação ao César deste ano, Judith Chemia (de ‘Camille Outra Vez’, 2012) é Jeanne des Vauds, jovem de família burguesa, que retorna para casa após concluir seus estudos em um convento. É a vida adulta desta mulher, símbolo de outras tantas consumidas ao longo do século 19, que passamos a acompanhar, tomando parte de seu progressivo, e por vezes traumático, amadurecimento; da paixão lentamente desenvolvida por Julien de Lamare (Swann Arlaud, de ‘Os Anarquistas, 2015), jovem com quem acaba se casando por recomendação dos pais; de sua crescente desilusão com o esposo, que a leva, por fim, a uma resignação em relação ao mundo, algo inaceitável nesses dias de crescente emancipação feminina em que vivemos.
(Foto: divulgação)
O pessimismo e melancolia que vão dominando a personagem poderiam fazer das quase duas horas de filme um exercício sofrível para o espectador. Não é o que acontece, graças ao diretor e corroteirista Stéphane Brizé (‘Uma Primavera com Minha Mãe’, 2012). É verdade que ele dá uma escorregada daquelas, já próximo ao final, com uma exagerada aproximação de imagem (o famoso “zoom”) durante um importante diálogo. Naturalmente o equilíbrio da câmera se torna mais instável, fazendo-a balançar além do que se nota durante todo o filme. O tiro sai pela culatra e o malfadado artifício, usado para acentuar a tensão da cena, acaba por enfraquecê-la.
Um garrancho perdoável, pois em ‘A Vida de Uma Mulher’ Brizé tem o enorme mérito de fugir do convencional e praticar com sua “câmera-caneta” (Astruc, 1948) um cinema cada vez mais em falta no cenário contemporâneo: aquele que permite ao público envolver-se com a trama não apenas de forma passiva, quando a possibilidade do tédio prevalecer é enorme. Ao contrário, o diretor faz bom uso desse jogo de “mostra-esconde” que é a alma do bom cinema. Com elipses bem elaboradas, principais responsáveis por manter o filme girando, revela apenas o essencial em cenas-chaves, dando pistas mínimas tanto do ocorrido, quanto do que virá.
Desta forma, é entregue ao espectador o enorme prêmio que é a chance de preencher essas lacunas, construindo a história junto, ou até mesmo antecipando-se aos personagens. Eleva-se, assim, o grau de interação psicológica, emocional, e também intelectual entre obra e audiência. Ou seja, aquilo que a princípio aparenta ser mais uma quadrada adaptação literária do século 19, à moda de tantos dramas ingleses, revela-se uma experiência muito mais atraente e satisfatória.
Veja o trailer:
A Vida de Uma Mulher (Une Vie) - França/Bélgica, 119 min, 2016.
Dir.: Stéphane Brizé - Estreou em 13/7 (S.Paulo: 20/7).
As opiniões expressas nessa coluna são de inteira responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do Portal Telenotícias.
Crítica | Por Thiago Mendes
thiagomendes@portaltelenoticias.com
(Foto: divulgação)
Jeanne des Vauds (Judith Chemia) é uma jovem de família burguesa, que retorna para casa após concluir seus estudos em um convento |
Em seu primeiro grande papel no cinema, que lhe rendeu indicação ao César deste ano, Judith Chemia (de ‘Camille Outra Vez’, 2012) é Jeanne des Vauds, jovem de família burguesa, que retorna para casa após concluir seus estudos em um convento. É a vida adulta desta mulher, símbolo de outras tantas consumidas ao longo do século 19, que passamos a acompanhar, tomando parte de seu progressivo, e por vezes traumático, amadurecimento; da paixão lentamente desenvolvida por Julien de Lamare (Swann Arlaud, de ‘Os Anarquistas, 2015), jovem com quem acaba se casando por recomendação dos pais; de sua crescente desilusão com o esposo, que a leva, por fim, a uma resignação em relação ao mundo, algo inaceitável nesses dias de crescente emancipação feminina em que vivemos.
(Foto: divulgação)
Após viver uma paixão, a jovem acaba se casando por recomendação dos pais |
Um garrancho perdoável, pois em ‘A Vida de Uma Mulher’ Brizé tem o enorme mérito de fugir do convencional e praticar com sua “câmera-caneta” (Astruc, 1948) um cinema cada vez mais em falta no cenário contemporâneo: aquele que permite ao público envolver-se com a trama não apenas de forma passiva, quando a possibilidade do tédio prevalecer é enorme. Ao contrário, o diretor faz bom uso desse jogo de “mostra-esconde” que é a alma do bom cinema. Com elipses bem elaboradas, principais responsáveis por manter o filme girando, revela apenas o essencial em cenas-chaves, dando pistas mínimas tanto do ocorrido, quanto do que virá.
Desta forma, é entregue ao espectador o enorme prêmio que é a chance de preencher essas lacunas, construindo a história junto, ou até mesmo antecipando-se aos personagens. Eleva-se, assim, o grau de interação psicológica, emocional, e também intelectual entre obra e audiência. Ou seja, aquilo que a princípio aparenta ser mais uma quadrada adaptação literária do século 19, à moda de tantos dramas ingleses, revela-se uma experiência muito mais atraente e satisfatória.
Veja o trailer:
A Vida de Uma Mulher (Une Vie) - França/Bélgica, 119 min, 2016.
Dir.: Stéphane Brizé - Estreou em 13/7 (S.Paulo: 20/7).
Inteligente, ‘A Vida de Uma Mulher’ concede papel importante ao espectador
Reviewed by Redação
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7/21/2017 08:24:00 PM
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