Entre outras reflexões, filme questiona industrialização desenfreada na China
Crítica | Por Thiago Mendes
thiagomendes@portaltelenoticias.com
(Foto: divulgação)
O aspecto efêmero e finito da vida é a primeira impressão que Zhang nos passa, já na cena inicial, ao revelar um pomar ressecado, portanto infrutífero, incapaz de gerar vida |
Se no ocidente o assunto seria embasado pela obra de pensadores como Hobbes, Locke e Rousseau, aqui são os preceitos de religiões e filosofias orientais que conduzem à reflexão.
Estamos em uma pequena vila em ruínas, parte de uma zona rural que em breve deixará de existir, tão logo o avanço da área urbana se concretize na região. Muitos de seus habitantes já estão de mudança para apartamentos recém-construídos nas imediações. Enquanto outros resistem até onde podem.
(Foto: divulgação)
(Foto: divulgação)
Naturalmente percebemos a crítica que se faz ao descontrolado processo de urbanização que ocorre na China nas últimas décadas |
Tempos depois, em meio a uma discussão entre Chun e seu filho adolescente, Leilei (Zhang Li), o espírito de sua falecida esposa se apropria do corpo do garoto. Não há qualquer tipo de pieguice na cena. Ao contrário, é revestida em simplicidade e serenidade até surpreendentes. Chun não questiona nem se espanta quando Xiuying, sua mulher quando viva, se apresenta a ele personificada na figura do filho. Ela pede ao marido que retire de seu quintal a árvore da qual cuidou por tantos anos e a replante em outro lugar, para que não seja destruída pela urbanização que se aproxima. Apenas desta forma o espírito inquieto de Xiuying poderá se acalmar.
Claro que o pedido não se mostra uma tarefa simples de se realizar, e a partir daí Zhang nos brinda com uma série de metáforas dispostas com rara felicidade. A dificuldade em retirar e deslocar uma árvore inteira de seu local original se dá, também, pela necessidade de conservar suas raízes intactas, o que facilita o replantio e evita que ela morra antes de se adaptar totalmente ao seu novo local. Com isso, Zhang ressalta o sofrimento que os moradores enfrentam para deixar as casas onde moraram por uma vida inteira. Não é fácil cortar a própria raiz.
Naturalmente percebemos a crítica que se faz ao descontrolado processo de urbanização que ocorre na China nas últimas décadas. O desumano “progresso” que se impõe contra costumes, tradições e meio ambiente. Lindo o plano do trator que não só impede a passagem de Chun e Leilei/Xiuying, como os força a recuar ao ponto de saírem da estrada. Nada resiste à marcha do progresso. Em dado momento, apreciamos a panorâmica em grande plano geral nos levando do pouco que sobrou da vila rural até os limites cada vez mais próximos da zona industrial.
Há, também, uma espécie de névoa que envolve boa parte do filme. Por um lado, a tomamos como símbolo do aspecto fantasioso, onírico, da trama. Por outro, lembramos de que é algo bem característico de áreas com ar poluído. Oportuno nos atentar de que se trata do país que mais polui o planeta.
Em meio a tudo isso, e em enxutos 80 minutos, ainda acompanhamos a busca de Chun por reconciliação familiar, e em proporcionar a paz definitiva ao espírito de sua esposa. O que nos leva a outras tantas reflexões.
Belo e impactante filme.
Veja o trailer:
A Vida Após a Vida (Zhi Fan Ye Mao) - China, 80 min, 2016.
Em cartaz desde 25/5.
As opiniões expressas nessa coluna são de inteira responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do Portal Telenotícias.
‘A Vida Após a Vida’ é simples, mas profundo no que propõe
Reviewed by Redação
on
5/26/2017 07:09:00 PM
Rating:
Fascinante. É certo que vou procurar ver o filme, dada a simpatia que a descrição acima causa de imediato. Compreender (e descrever) um filme é um ato análogo ao do psicólogo discutindo o sonho de um paciente. No limite (para Jung) o sonho do paciente é impenetrável, pois para compreendê-lo é preciso ser o próprio paciente; os símbolos usados pelo inconsciente do paciente lhe são únicos e indecifráveis para outros (ou melhor, vistos por outros significam outras coisas). Assim é a experiência do filme, cuja simbologia dizia algo ao roteirista, outra coisa ao diretor, outra para o emissor da presente crítica o outra ainda para mim (quando visitá-lo).
ResponderExcluirAgradeço de coração!