‘Romance à Francesa’ lembra filme de Woody Allen, mas lhe falta autenticidade
Crítica | Por Thiago Mendes
thiagomendes@portaltelenoticias.com
(Foto: divulgação)
Ao assistir ‘Romance à Francesa’, atente-se às cenas iniciais. Primeiro, sentados no banco de um parque (ou uma praça), o jovem pai pergunta ao filho de 10 anos se este não deseja brincar ao telefone celular, ou praticar alguma atividade física, já que a criança, ainda com um livro em mãos, passou o dia inteiro lendo. O garoto recusa, voltando à leitura.
O que acabamos de ver mostra claramente que estamos diante de um mundo fantasioso. Irreal, para dizer o mínimo. Esta noção é fundamental para que se engula o que está por vir - ainda assim, com algum esforço.
A cena seguinte reforça a ideia: o garoto é levado de volta à casa de sua mãe. O pai cumprimenta padrasto e ex-esposa educadamente e logo desculpa-se por trazer o filho antes do horário combinado. A mãe assente, demonstrando compreensão. O ex desculpa-se novamente, pois perdera a blusa nova que ela havia dado ao rebento dias antes. E, mais uma vez, ela sorri e diz que não há problema, despedindo-se com a mesma cortesia.
A civilidade entre antigos cônjuges é plenamente aceitável, mas tamanha condescendência por parte da mãe já é exagero. Ainda que para tudo isso se revelem, mais adiante, suas razões e motivos, todos soam fajutos, tão artificiais quanto as situações em si. Estamos, de fato, observando um conto de fadas. E do que se trata, afinal?
(Foto: divulgação)
O professor de educação primária Clément Dussaut (o próprio diretor e roteirista francês, Emmanuel Mouret) é um dedicado admirador da musa do teatro local, Alicia Bardery (Virginie Efira, que também está em ‘Elle’, novo filme de Paul Verhoeven). Sua obsessão o leva a frequentar religiosamente toda semana as montagens estreladas por ela. Coincidência do destino, ou capricho, como diz o título original, Clément tem a chance de conhecer pessoalmente a atriz quando Alicia o contrata para dar aulas particulares ao seu sobrinho. Como esperado, os dois se tornam amigos, e neste mundo idealizado que testemunhamos, apaixonam-se, é claro.
A questão é que por mais que a mensagem das primeiras cenas ecoem, não conseguimos embarcar por inteiro na fantasia. A empatia inicial que temos para com os personagens dissolve-se a medida que vão se envolvendo. Começa pelo fato de que Mouret, com seus dentes frontais separados e sobrancelhas unidas, está longe de ser um galã. Nada contra histórias do tipo “princesa e o sapo”, mas por mais que compreendamos que Alicia busque algo além da beleza física, não nos convencemos disso em momento algum. As cenas que exageram na dose do fictício colaboram substancialmente. Quem acordaria no sofá de sua casa, dando de cara com alguém que mal conhece lhe observando a centímetros de distância, e ainda assim agiria como se fosse a situação mais corriqueira no mundo?
Apesar de tudo, Mouret parece ser um esforçado discípulo de Woody Allen. Deixando idealizações da realidade de lado, em boa parte do tempo se tem a nítida impressão de que assistimos a um filme do diretor nova-iorquino. Não só pela trilha musical recheada de jazz, mas pela forma como é inserida entre as sequências, favorecendo um ritmo de corte muito semelhante a obra do norte-americano. Assim como não pareceria Allen se não surgisse no roteiro um triângulo amoroso como fator conflitante, que em certo ponto se torna um quadrado. Não há citações diretas a filósofos e pensadores, mas os diálogos carregam o bom humor e a natural trivialidade que Woody costuma empregar. Lembremos, ainda, que Mouret invariavelmente escreve, dirige e atua em seus filmes (é ou não é esforçado?).
São dessas referências que resultam os melhores momentos de ‘Romance à Francesa’, embora, evidentemente, Mouret não seja Woody Allen, e por isso falte à sua produção, além de todos os problemas citados anteriormente, o que Benjamin 80 anos atrás já dizia ser a principal carência em uma cópia: autenticidade.
Veja o trailer:
Romance à Francesa (Caprice) - França, 100 min, 2016.
Em cartaz desde 20/10 (em São Paulo a partir de 27/10).
As opiniões expressas nessa coluna são de inteira responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do Portal Telenotícias.
thiagomendes@portaltelenoticias.com
(Foto: divulgação)
Em 'Romance à Francesa', por mais que a mensagem das primeiras cenas ecoem, não conseguimos embarcar por inteiro na fantasia |
O que acabamos de ver mostra claramente que estamos diante de um mundo fantasioso. Irreal, para dizer o mínimo. Esta noção é fundamental para que se engula o que está por vir - ainda assim, com algum esforço.
A cena seguinte reforça a ideia: o garoto é levado de volta à casa de sua mãe. O pai cumprimenta padrasto e ex-esposa educadamente e logo desculpa-se por trazer o filho antes do horário combinado. A mãe assente, demonstrando compreensão. O ex desculpa-se novamente, pois perdera a blusa nova que ela havia dado ao rebento dias antes. E, mais uma vez, ela sorri e diz que não há problema, despedindo-se com a mesma cortesia.
A civilidade entre antigos cônjuges é plenamente aceitável, mas tamanha condescendência por parte da mãe já é exagero. Ainda que para tudo isso se revelem, mais adiante, suas razões e motivos, todos soam fajutos, tão artificiais quanto as situações em si. Estamos, de fato, observando um conto de fadas. E do que se trata, afinal?
(Foto: divulgação)
O professor Clément Dussaut (Emmanuel Mouret) é um dedicado admirador da musa do teatro local, Alicia Bardery (Virginie Efira) |
A questão é que por mais que a mensagem das primeiras cenas ecoem, não conseguimos embarcar por inteiro na fantasia. A empatia inicial que temos para com os personagens dissolve-se a medida que vão se envolvendo. Começa pelo fato de que Mouret, com seus dentes frontais separados e sobrancelhas unidas, está longe de ser um galã. Nada contra histórias do tipo “princesa e o sapo”, mas por mais que compreendamos que Alicia busque algo além da beleza física, não nos convencemos disso em momento algum. As cenas que exageram na dose do fictício colaboram substancialmente. Quem acordaria no sofá de sua casa, dando de cara com alguém que mal conhece lhe observando a centímetros de distância, e ainda assim agiria como se fosse a situação mais corriqueira no mundo?
Apesar de tudo, Mouret parece ser um esforçado discípulo de Woody Allen. Deixando idealizações da realidade de lado, em boa parte do tempo se tem a nítida impressão de que assistimos a um filme do diretor nova-iorquino. Não só pela trilha musical recheada de jazz, mas pela forma como é inserida entre as sequências, favorecendo um ritmo de corte muito semelhante a obra do norte-americano. Assim como não pareceria Allen se não surgisse no roteiro um triângulo amoroso como fator conflitante, que em certo ponto se torna um quadrado. Não há citações diretas a filósofos e pensadores, mas os diálogos carregam o bom humor e a natural trivialidade que Woody costuma empregar. Lembremos, ainda, que Mouret invariavelmente escreve, dirige e atua em seus filmes (é ou não é esforçado?).
São dessas referências que resultam os melhores momentos de ‘Romance à Francesa’, embora, evidentemente, Mouret não seja Woody Allen, e por isso falte à sua produção, além de todos os problemas citados anteriormente, o que Benjamin 80 anos atrás já dizia ser a principal carência em uma cópia: autenticidade.
Veja o trailer:
Romance à Francesa (Caprice) - França, 100 min, 2016.
Em cartaz desde 20/10 (em São Paulo a partir de 27/10).
As opiniões expressas nessa coluna são de inteira responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do Portal Telenotícias.
‘Romance à Francesa’ lembra filme de Woody Allen, mas lhe falta autenticidade
Reviewed by Redação
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10/21/2016 08:51:00 PM
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