Crônica │ Por Danilo Quintal
Ele acordou por volta das nove e meia da manhã, espreguiçou-se e andou em direção ao chuveiro. Tomou aquela bela ducha. Sua filha já estava acordada. Por meia hora brincou com a menina, deu longos abraços e beijos demorados. E, enfim, despediu-se:
- Tchau, amor! Papai vai trabalhar!
- Bom trabalho, Papai. Até mais tarde!, responde carinhosamente a filha com um sorriso no rosto.
Ele também acordou, mas antes, por volta das sete e meia. Tomou banho de canequinha. Pois o chuveiro estava queimado. O filhão, já acordado, brincava com uns bonequinhos doados pela patroa da mamãe. Ele, por longos minutos, brincou, sorriu, abraçou e beijou o menino. Depois despediu-se:
- O pai vai nessa, filhão.
- Tá, até mais tarde, Pai!, sério e com um imenso respeito.
Ele, pai dela, policial. Ele, pai do menino, ladrão. Cada um segue o seu caminho. Há um dito popular que diz: “Todos os dias acorda um burro e um esperto. Durante o dia eles vão se encontrar e vai dar negócio.” Sim, ao fim do dia eles iriam se encontrar, pela primeira e última vez.
Ele, pai da menina, deixou o condomínio fechado, deu bom dia ao porteiro e seguiu para o trabalho. Ele, pai do menino, desceu o beco, dando bom dia a todas as vizinhas e seguiu rumo à estratégia de mais um assalto.
O pai do menino encontra-se com outros dois parceiros de “fita”. O plano é assaltar uma casa, na Rua Alegria, no Tremembé. Durante o dia, estão em casa apenas uma senhora que, por motivos patológicos fica em repouso absoluto na cama, uma enfermeira que cuida dela e a empregada doméstica.
Os três invadem a casa, fazem as três de reféns, tudo parece sobre controle. Joias, dinheiro, peças valiosas, tudo possível é colocado em algumas malas. Mas um vizinho vê uma movimentação estranha e aciona a polícia.
O policial, pai da menina, estava em ronda nas proximidades. Ao ser comunicado do assalto, chega rapidamente ao local. Seu parceiro aguarda no carro e solicita reforços A fração de segundos em que o policial observa o ladrão é tomada por um silêncio ensurdecedor. O policial estuda qual ação tomar e o ladrão observa se reagiria com algum contra-ataque ao policial. O silêncio que durou alguns segundos, mas para ambos passaram toda uma vida.
Sim, o silêncio dá lugar aos gritantes e horríveis barulhos de tiros. Vários deles, dos três contra os dois. Dos dois contra os três. Mas duas balas encontraram o mesmo caminho em corpos diferentes. Uma repousou na testa do policial, a outra, furou a toca do ladrão.
Dois pais de família com os corpos estendidos no chão. Mais dois filhos órfãos. Um integrante do órgão repressor a menos. E um bandido a menos no país. Tudo isso por causa do mundo das oportunidades inoportunas. Sim, o mundo das possibilidades não tão possíveis assim. Um mundo contraditório, onde as pessoas, no fundo, não têm culpa de ser o bandido ou o herói. Ou do herói ser bandido às vezes e o bandido ser o herói outras tantas.
Triste será para as novas viúvas responderem aos filhos:
- Cadê o papai?
Pare e Pense: Contraditório
Reviewed by Redação
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9/19/2012 10:00:00 AM
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