Especial cronistas: O profeta que enxergava o óbvio

Por Alisson Matos

Peço licença aos leitores para, na semana em que é comemorado os 70 anos de Pelé, publicar um perfil da primeira pessoa a chamá-lo de Rei do Futebol, o gênio Nelson Rodrigues.

(Foto: reprodução da Internet)

Nelson Rodrigues: ele sabia, entendia e previa

Dramaturgo, escritor, jornalista e teatrólogo, Nelson Rodrigues desempenhou, entre outras, essas funções ao longo dos seus 80 anos. Tido como visionário e vanguardista, Nelson pensava à frente dos demais e, talvez, sem perceber, ele, em uma das suas celébres frases, o definiu, sem notar, de forma curta e objetiva: “só os profetas enxergam o óbvio”. E ele enxergava, e como enxergava.

Nascido em Recife em 1912, o quinto filho dos 14 de Mário Rodrigues, deputado e jornalista, e Maria Esther Falcão, foi obrigado a mudar, ainda quando criança e junto com os irmãos, para o Rio de Janeiro. E felizarda fora a cidade maravilhosa por ter ganhado um filho. E que filho!

O garoto cresceu dentro do clima da época. Rodeado de vizinhas gordas na janela que, ora ou outra, fiscalizavam os outros moradores, solteiras ressentidas e viúvas tristes, o pernambucano, logo aos 4 anos de idade, se mostrava o que mais tarde seria intitulado de “anjo pornográfico”. Nelson foi encontrado aos beijos com uma garota de surpreendentes 3 anos. A mãe da menina, vizinha dos Rodrigues, pegou o ato no flagra e proibiu o até então, inocente, mas já assanhado, caçula da família vizinha de visitar a sua casa.

O menino desenvolveu-se. E, na adolescência, sentia a ausência do pai, ocupado com os afazeres jornalísticos. Chegou a ser expulso, por rebeldia, de um colégio. Ao longo dos dias, uma indolência melancólica tomava conta do seu ser. O já talentoso poeta chegou a proferir, nesse período, a seguinte frase: “eu sou um triste”.

Ainda adolescente, aos 13 anos, Nelson foi trabalhar no jornal do pai. O irmão, Mário Filho, também jornalista, que daria nome ao maior templo do futebol mundial, o Maracanã, já era um conceituado profissional. Em 1919, o já jornalista Nelson descobriu o Fluminense, sem sombra de dúvidas, uma das suas maiores paixões, se não a maior.

O tricolor das Laranjeiras que, no mesmo ano, conquistou o tricampeonato carioca, foi fonte inspiradora de incontáveis textos do gênio. Aliás, o futebol, num todo, fez com que o torcedor número 1 do tricolor carioca ficasse ainda mais conhecido do que já era. Viu, de perto, o surgimento de Pelé em 1958. E, profeta que era, foi pioneiro ao afirmar que ali nascia um rei, que nada temia e, ainda, era autêntico. Para ele, era o que o Brasil precisava para perder de vez, o que ele, brilhantemente, definiu como síndrome de cachorro vira-lata.

Nelson via no futebol uma arma para que o astral e a estima dos brasileiros melhorassem. Testemunha na Copa de 1962, na qual o Brasil se sagrou bicampeão mundial, o cronista esportivo presenciou o anjo das pernas tortas, conhecido como Garrincha, despontar e colaborar, de forma efetiva, para o título. E seus elogios, considerados por muitos exagerados, transformaram o atleta brasileiro em mais um gênio do esporte tupiniquim. E ele sabia, entendia e previa.

Nelson Rodrigues tinha propriedade para falar do que quisesse. Um ser raro, de genialidade genuína e incomum. Foi visionário até ao escolher a data de sua morte. Faleceu aos 80 anos, no Rio de Janeiro, em 1980. Ironia do destino, justamente o ano e a década que o maior rival do Fluminense, o Flamengo venceu tudo o que disputou. Nelson suportaria traição, desconfiança, injustiça e críticas, mas jamais aguentaria assistir às derrotas da sua maior paixão. E, pior, ver a glória do maior rival.

Aproveito e recomendo algumas obras ligadas de alguma forma, ao "anjo pornográfico":

Castro, Ruy. O Anjo Pornográfico

A Vida de Nelson Rodrigues. Companhia das Letras.

Castro, Ruy Org. Nelson Rodrigues. O Melhor do Romance, Contos e Crônicas. Publifolha, 1993.