Para os moradores de rua, a maior presença no dia-a-dia são as ausências
Por Danilo Quintal
(Foto: divulgação/MDS.gov.br)
Guilherme Peace, 21 anos, estudante de jornalismo, chegou a morar na rua durante cinco meses. Aos 15 anos, após uma briga com o filho do padrasto, resolveu viajar para Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Saiu de Belo Horizonte com apenas 50 reais no bolso, e a passagem custava 48 reais.
Desembarcou na cidade com apenas 2 reais, e com muitas lembranças: “Na minha infância, minha tia morava lá, eu passava minhas férias na casa dela, então era familiar”, relatou.
Mas como a tia dele não morava mais em Ribeirão, buscou na casa de um amigo abrigo. Era apenas um cômodo, que era divido por ele, o dono da casa, e um casal de moradores de rua que tinha um filho recém nascido. Com um teto, durante quase um ano levou essa vida. Para comer, eles cediam a casa para pessoas de fora usarem entorpecentes, em troca ganhavam comida e compartilhavam as drogas. Já viciado em cocaína e incomodado com a situação, buscou outra alternativa. “Fui morar na rua para sair daquele lugar”, contou.
Vagou por uma semana, era época de frio e chuva, escondia-se embaixo de toldos. Até que encontrou um carro, um Opala abandonado, e lá se alojou por uns dias. Mas, como a praça onde ele buscava a única refeição do dia, uma sopa, que era doada pelo Centro Espírita da região, ficava longe, resolveu morar perto.
Presenciou muitos atos de violência, porém nunca se envolveu em brigas, fazia muitas amizades e diz que a fé em Deus aumentou muito, pois nas horas de desespero e que mais precisava de ajuda, ao virar uma esquina encontrava uma mão amiga que lhe era estendida. “Eu me apaixonei por uma menina, ela era de família, ia à porta da escola dela todo sujo, mas ela me curtia”, contou Peace.
Após ter contraído dengue, foi ajudado pela família da menina, cuidaram dele até melhorar e arrumaram-lhe um trabalho. Conseguiu arrumar mais um emprego, com duas rendas, alugou a casa dos fundos da menina, as coisas começaram a tomar novos rumos, mas a experiência e as marcas do que viveu nas ruas ficaram guardadas. “Me arrependo das atitudes, mas não do que fiz para sobreviver”, declarou. Depois de 2 anos, Peace volta para casa da sua mãe, passou no vestibular e é o primeiro universitário da sua família.
Zacarias Moreira é morador de rua há 20 anos. Aos 60, um senhor de olhar sereno, uma voz que esbanja lucidez e com marcas no rosto de uma longa jornada de sofrimento nas ruas. Trabalhou cerca de trinta anos como armador de ferragens na construção civil. “O problema é que a idade chegou e perdi o emprego”, relatou.
Divorciado, deixou seus filhos e uma casa para trás. Tentou achar saídas, mas havia estudado até a 4° série do ensino fundamental (antigo primário) e com os “bicos” que arrumava já não era possível manter-se debaixo de um teto. “Ah! Não tem como pagar aluguel, não tem condições”, afirmou.
A rua foi o último refúgio e as bebidas servem como companhia. Faz visitas mensais aos filhos e brinca com os netos. E ao ser questionado o porquê de não morar com eles, declara com o pouco de orgulho e vaidade que lhe resta: “Não tem como morar, ir incomodar”, diz. O morador de rua relata estar conformado com os caminhos da vida, tem nos albergues e nas amizades uma fonte para a alimentação. Uma chuva forte castiga a cidade de São Paulo e o único refugio é Catedral da Sé. Sentado, quieto, com uma forte tosse, parece não ter pressa de ver a chuva passar, o tempo para ele já não faz tanta diferença.
Ao longo desse tempo, Zacarias nunca caiu nas tentações das drogas, diferentemente do casal André Luiz Neves, 28 anos, e a Alessandra Estevam, 33 anos, ambos usuários de drogas. Os motivos que os levaram a morar nas ruas são distintos. “Eu fiquei muito revoltada. O meu padrasto batia na minha mãe, roubou meu dinheiro”, explicou Alessandra.
Indignada pela violência e pelos seguidos roubos que ela sofria do padrasto, largou a casa e o emprego de doméstica. Recebe mensalmente uma indenização no valor de R$ 400 por ter sido atropelada por um caminhão da Prefeitura. Morar nas ruas foi uma escolha própria: “Eu teria dinheiro para morar em uma casa, é que não me sinto bem sozinha, sabe? Eu quero morar nas ruas”, exaltou.
Com essa opção, largou para trás as quatro filhas. Todas moram com a irmã dela. Já com a mente corroída pelo uso do crack, só lembra o nome de três filhas, e parada, olha o ar, buscando o nome. Como se mudasse de assunto, esboça o sentimento e a convicção do que é estar longe das filhas: “É doloroso, mas vou fazer o que? É melhor estar lá do que ficar sofrendo”, contou.
Durante a vida teve quatro maridos, agora tem a companhia de Neves. Um homem bem mais novo, moreno, traços jovens, voz meiga e com sonhos e percepções. Abandonou a casa devido às brigas familiares e por não conseguir um emprego. Usuário assíduo de maconha se diz feliz, apesar da situação em que se encontra, fala sempre com um belo sorriso no rosto. “Tem que sorrir, tem que levantar a cabeça, se você ficar com a cabeça para baixo, atiça uma depressão, vai caindo mais para as drogas”, disse.
Com fórmula para encarar o dia-a-dia, busca um trabalho honesto, remexendo os lixos atrás de latinhas ou algo que possa ser vendido e ajudar na sobrevivência. Não perdeu as esperanças de sair dessa vida, sabe que ainda pode conquistar muitas coisas.
Por Danilo Quintal
(Foto: divulgação/MDS.gov.br)
Desembarcou na cidade com apenas 2 reais, e com muitas lembranças: “Na minha infância, minha tia morava lá, eu passava minhas férias na casa dela, então era familiar”, relatou.
Mas como a tia dele não morava mais em Ribeirão, buscou na casa de um amigo abrigo. Era apenas um cômodo, que era divido por ele, o dono da casa, e um casal de moradores de rua que tinha um filho recém nascido. Com um teto, durante quase um ano levou essa vida. Para comer, eles cediam a casa para pessoas de fora usarem entorpecentes, em troca ganhavam comida e compartilhavam as drogas. Já viciado em cocaína e incomodado com a situação, buscou outra alternativa. “Fui morar na rua para sair daquele lugar”, contou.
Vagou por uma semana, era época de frio e chuva, escondia-se embaixo de toldos. Até que encontrou um carro, um Opala abandonado, e lá se alojou por uns dias. Mas, como a praça onde ele buscava a única refeição do dia, uma sopa, que era doada pelo Centro Espírita da região, ficava longe, resolveu morar perto.
Presenciou muitos atos de violência, porém nunca se envolveu em brigas, fazia muitas amizades e diz que a fé em Deus aumentou muito, pois nas horas de desespero e que mais precisava de ajuda, ao virar uma esquina encontrava uma mão amiga que lhe era estendida. “Eu me apaixonei por uma menina, ela era de família, ia à porta da escola dela todo sujo, mas ela me curtia”, contou Peace.
Após ter contraído dengue, foi ajudado pela família da menina, cuidaram dele até melhorar e arrumaram-lhe um trabalho. Conseguiu arrumar mais um emprego, com duas rendas, alugou a casa dos fundos da menina, as coisas começaram a tomar novos rumos, mas a experiência e as marcas do que viveu nas ruas ficaram guardadas. “Me arrependo das atitudes, mas não do que fiz para sobreviver”, declarou. Depois de 2 anos, Peace volta para casa da sua mãe, passou no vestibular e é o primeiro universitário da sua família.
Zacarias Moreira é morador de rua há 20 anos. Aos 60, um senhor de olhar sereno, uma voz que esbanja lucidez e com marcas no rosto de uma longa jornada de sofrimento nas ruas. Trabalhou cerca de trinta anos como armador de ferragens na construção civil. “O problema é que a idade chegou e perdi o emprego”, relatou.
Divorciado, deixou seus filhos e uma casa para trás. Tentou achar saídas, mas havia estudado até a 4° série do ensino fundamental (antigo primário) e com os “bicos” que arrumava já não era possível manter-se debaixo de um teto. “Ah! Não tem como pagar aluguel, não tem condições”, afirmou.
A rua foi o último refúgio e as bebidas servem como companhia. Faz visitas mensais aos filhos e brinca com os netos. E ao ser questionado o porquê de não morar com eles, declara com o pouco de orgulho e vaidade que lhe resta: “Não tem como morar, ir incomodar”, diz. O morador de rua relata estar conformado com os caminhos da vida, tem nos albergues e nas amizades uma fonte para a alimentação. Uma chuva forte castiga a cidade de São Paulo e o único refugio é Catedral da Sé. Sentado, quieto, com uma forte tosse, parece não ter pressa de ver a chuva passar, o tempo para ele já não faz tanta diferença.
Ao longo desse tempo, Zacarias nunca caiu nas tentações das drogas, diferentemente do casal André Luiz Neves, 28 anos, e a Alessandra Estevam, 33 anos, ambos usuários de drogas. Os motivos que os levaram a morar nas ruas são distintos. “Eu fiquei muito revoltada. O meu padrasto batia na minha mãe, roubou meu dinheiro”, explicou Alessandra.
Indignada pela violência e pelos seguidos roubos que ela sofria do padrasto, largou a casa e o emprego de doméstica. Recebe mensalmente uma indenização no valor de R$ 400 por ter sido atropelada por um caminhão da Prefeitura. Morar nas ruas foi uma escolha própria: “Eu teria dinheiro para morar em uma casa, é que não me sinto bem sozinha, sabe? Eu quero morar nas ruas”, exaltou.
Com essa opção, largou para trás as quatro filhas. Todas moram com a irmã dela. Já com a mente corroída pelo uso do crack, só lembra o nome de três filhas, e parada, olha o ar, buscando o nome. Como se mudasse de assunto, esboça o sentimento e a convicção do que é estar longe das filhas: “É doloroso, mas vou fazer o que? É melhor estar lá do que ficar sofrendo”, contou.
Durante a vida teve quatro maridos, agora tem a companhia de Neves. Um homem bem mais novo, moreno, traços jovens, voz meiga e com sonhos e percepções. Abandonou a casa devido às brigas familiares e por não conseguir um emprego. Usuário assíduo de maconha se diz feliz, apesar da situação em que se encontra, fala sempre com um belo sorriso no rosto. “Tem que sorrir, tem que levantar a cabeça, se você ficar com a cabeça para baixo, atiça uma depressão, vai caindo mais para as drogas”, disse.
Com fórmula para encarar o dia-a-dia, busca um trabalho honesto, remexendo os lixos atrás de latinhas ou algo que possa ser vendido e ajudar na sobrevivência. Não perdeu as esperanças de sair dessa vida, sabe que ainda pode conquistar muitas coisas.
Reportagem Especial: A luta pela sobrevivência
Reviewed by Diego Martins
on
5/10/2010 07:29:00 PM
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Parabéns, boa reportagem, ufm futuro grandioso está reservado para você no mundo das letras, não tenha dúvida.
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